17.3.08



É importante observar que não existe em Darwin -e, portanto, na ecologia - uma idéia de harmonia da natureza como em Lamarck. No reino animal, a desarmonia é expressão da própria luta pela vida. Mas quando se trata da humanidade, e especialmente sob o capitalismo, como apontou o economista austríaco Karl Polanyi (1886-1964), a conversão do trabalho e da terra em mercadorias, em “objetos de regateio”, destrói qualquer chance de harmonia com a natureza ao criar a “falha metabólica”, isto é, a impossibilidade de que a natureza saia incólume do processo de produção da vida material. Por isso o mundo industrial-mercantil converteu a ecologia numa doutrina ou ideal invertido do processo real: a busca do equilíbrio impossível. Já não se trata, é claro, da ecologia original como Haeckel decalcou das descobertas de Darwin, mas do “ecologismo” ou ambientalismo.

Mas a ilusão que o ecologismo projeta sobre a vida como um todo tem suas bases materiais. Em microescala, em sistemas ecológicos discretos, o equilíbrio parece funcionar, emprestando credibilidade ao ideal de harmonia. Ao se “salvar” um lago ou uma espécie animal, parece que se poderá preservar a natureza toda da “falha metabólica”, reciclando o capitalismo. Mas a economia da natureza não é isso. É um sistema em permanente desequilíbrio. No equilíbrio hipotético, a evolução não se processaria, e estaríamos diante de uma modalidade de “fim da história natural”, em que a natureza seria apenas um conjunto de formas fixas, uma moldura para a vida humana.

O caráter utópico do ecologismo moderno se mostra com clareza nos discursos sobre o desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento. Eles têm por base a ética ou política, não o conhecimento exaustivo das leis que presidem a economia da natureza, que se situam no tempo geológico onde o futuro da Terra é inacabado e incerto.

Com esta ressalva, é preciso reconhecer que o desenvolvimento sustentável é uma meta de mudança do metabolismo da produção capitalista (a redução do “consumismo” é essencial para ele), como forma de introduzir um novo tempo na economia da natureza, imaginando que ela possa retribuir a dádiva com uma sobrevida para a espécie humana. Como diz um importante estudo do moderno ecologismo, “o conceito de sustentabilidade implica na reconciliação do desenvolvimento de longo prazo com os objetivos ambientais; ele está relacionado com o futuro”10. Não se cogita, contudo, sobre a necessidade de pôr fim ao capitalismo no traçado de cenários humanos menos catastróficos. Aos neo-utopistas o capitalismo parece mais sólido do que clima.

Sob a visão instrumental que o ambientalismo lhe impõe, a natureza ganha uma forte premissa antropocêntrica: o homem é capaz de destruir o planeta ou inviabilizar a sua própria vida nele ou, inversamente, salvá-lo, ao mudar de atitude face aos recursos naturais. O limite mais avançado desta relação que converte a natureza em aparato adaptativo do homem encontra-se, hoje, na transgenia. Seu objetivo é aumentar a independência dos seres vivos aprisionados na cadeia produtiva do capital em relação à natureza. Na mesma linha, a eugenia, um ideal de microevolução humana, se converteu numa modalidade de manipulação da vida através da qual se pretende escolher horizontes de seleção para a nossa própria descendência. Nessa perspectiva, o homem se projeta como um dia projetou o frango -ou como os pombos que Darwin estudou como exemplo de seleção artificial.

Estas “domesticações” da natureza criam a ilusão de que toda ela possa ser submetida, contornando-se a noção de finitude. Se o mico-leão-dourado é mantido sob proteção, impedindo que outras espécies ocupem o seu lugar, tem-se aí uma natureza onde fazemos o papel do Deus. Ao elegermos uma natureza composta por micos, baleias, araras azuis etc., é porque, objetivamente, a natureza foi cindida.